‘Cuidado, Zehzeira!’ marca estreia de Zeh Gustavo com tributo ao samba de breque e sincopado

 

Zeh Gustavo estreia com um pé no presente e outro no passado do samba.

O cantor e compositor lança Cuidado, Zehzeira! , seu primeiro álbum, que homenageia o samba de breque e o sincopado – dois estilos considerados marginais, mas essenciais à história da música brasileira. Com 12 faixas, sendo três já conhecidas do público por terem sido lançadas como singles, o disco reúne composições autorais e regravações históricas. A produção é assinada por Daniel Delavusca e a gravação ocorreu no WM Estúdio, sob a técnica de Wellington Monteiro, violinista de sete cordas conhecido pelo trabalho com Martinho da Vila.

“É o eterno retorno do samba que não morre jamais”, afirma Zeh Gustavo, que aposta na força da tradição para dialogar com o presente. Cuidado, Zehzeira! é mais que um álbum de estreia: é manifesto artístico, resgate musical e também um gesto de resistência contra o que o cantor chama de “sequestro epistemológico” do samba por vertentes mais comerciais, como o pagonejo.

De Calderón a Kid Morengueira, a poética do samba-crônica

Zeh Gustavo recorre a metáforas que transitam entre o barroco espanhol e a malandragem carioca para apresentar seu trabalho. Cita La vida es sueño, clássico de Calderón de La Barca, e conecta o pensamento filosófico ao humor debochado de Moreira da Silva, o eterno Kid Morengueira. “Como malandro que é malandro não denuncia o outro, espera para tirar a forra”, brinca Zeh, ao falar da resiliência do samba sincopado, que, segundo ele, “está vivo, obrigado!”.

O álbum busca reviver uma tradição esquecida: o samba que conta histórias com ironia, teatralidade e improviso, num ritmo que freia, volta e avança. É o samba de breque, que brilhou nas vozes de Luís Barbosa, Jorge Veiga, Miguel Gustavo, Wilson Baptista e Geraldo Pereira, mas que hoje ressurge em novo formato, com assinatura própria de Zeh Gustavo.

Faixas que costuram história, crítica e humor

Entre as 12 faixas do disco, três já estavam nas plataformas como singles. A regravação de Beto bom de bola, composição do gênio da bossa nova e da música de protesto Sérgio Ricardo, mostra o caráter político do projeto. Em Mignon com queijo magro, Zeh divide a autoria com Marcelo Bizar, em um verdadeiro “manifesto antigourmetização”. A faixa é uma crônica crítica e bem-humorada sobre os exageros da cultura gourmet.

Outra joia é Santo Guerreiro, de autoria da sambista maranhense Patativa. A música, antes gravada apenas com Zeca Baleiro, ganha nova leitura com a voz de Zeh, mantendo a força da ancestralidade. O título do álbum, no entanto, vem da regravação Rei do gatilho, de Miguel Gustavo – um clássico do samba de breque que aqui serve como símbolo maior da proposta estética do disco.

Participações especiais e arranjos de peso

O projeto conta com a participação de grandes nomes da música brasileira. Mingo Silva, Paulinha Diniz e Didu Nogueira emprestam suas vozes ao álbum, ampliando o coro de artistas engajados na manutenção do samba como expressão crítica e artística. A direção musical e os arranjos ficaram por conta de Daniel Delavusca, garantindo unidade ao disco, que transita por diversas vertentes do gênero.

Além do samba de breque e do sincopado, o álbum flerta com o maxixe, o samba de roda e até com o ponto cantado, evidenciando a diversidade rítmica que compõe a matriz do samba. “Quero ir além do pessoal. É uma tentativa de fazer justiça a estilos negligenciados, que não cabem no molde comercial mas seguem firmes, vivos na memória e na prática de quem ama o samba”, diz Zeh.

Samba marginal e ancestral como resistência

Cuidado, Zehzeira! é também uma crítica velada ao modelo de consumo musical atual. “O mercado tenta transformar tudo em produto rápido, imediato e descartável. Mas o samba resiste”, provoca Zeh Gustavo. O álbum não se limita a homenagens. Ele reivindica um lugar para o samba como arte crítica, crônica do cotidiano, com espaço para o riso, o deboche e a reflexão.

Em tempos de efemeridade sonora, o álbum se posiciona como obra atemporal. Ao homenagear figuras como Moreira da Silva, Miguel Gustavo e Sérgio Ricardo, Zeh não só reverencia os mestres, mas também aponta para um futuro onde o samba não apenas sobrevive – ele renasce, reinventado.

Gravação e bastidores

A gravação do álbum no WM Estúdio assegurou a qualidade técnica do projeto. Wellington Monteiro, responsável pela engenharia de som, trouxe a experiência de quem acompanha Martinho da Vila, conferindo ao álbum um refinamento raro em projetos autorais de estreia. O cuidado com a execução instrumental é notável: cavaquinhos, pandeiros, violões e sopros estão todos a serviço da narrativa que o álbum propõe.

Cada faixa funciona como capítulo de uma história que mistura lirismo, crítica social e referências históricas, fundindo o velho com o novo, sem soar nostálgico ou anacrônico.

O samba de breque como fundamento

A ideia central do disco é simples e poderosa: o samba de breque e o sincopado não são apenas estilos esquecidos, são fundamentos do samba brasileiro. Ao colocar o “breque” no centro do projeto, Zeh Gustavo propõe uma reconexão com a base rítmica e simbólica do gênero, aquele que parodia, ironiza e subverte – que desacelera para contar melhor uma história.

“Essa forma de samba é quase teatral, uma crônica cantada. É o samba que dialoga com o povo de forma direta e espirituosa”, conclui Zeh.

Com Cuidado, Zehzeira!, Zeh Gustavo faz de sua estreia um ato político e poético. Mostra que o samba pode até ser marginalizado, mas nunca será menor.

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